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Voluntariando em um oásis de paz e saúde na Tailândia



“Por quanto tempo vocês pretendem ficar aqui no planeta Terra?”. Com essa pergunta fomos recebidos na cozinha de pau-a-pique da “Mindful Farm” pelo ex-monge budista chamado Pi Nan. Éramos 5 novos voluntários recém chegados de uma viagem de 4 horas de ônibus desde a cidade de Chiang Mai, no norte da Tailândia. O grupo era bem diverso: um australiano que dá aulas de inglês no Vietnã, uma italiana criada na Alemanha que estudava fotografia, um dinamarquês que estava viajando há 6 anos pelo mundo, Clever e eu. Pi Nam esperou alguns segundos para as primeiras respostas à sua questão surgirem. “Bem...”, eu disse, “pretendo ficar por aqui o tempo que for necessário!”. Então lançou a segunda pergunta: “Por que vocês vieram até a Mindful farm?”. E a partir disso Pi Nan nos contou a cosmovisão budista tailandesa, de onde viemos, para onde retornaremos, porque estamos nesse planeta, etc. Esse foi somente o primeiro de muitas outros ensinamentos do nosso anfitrião. As refeições, as práticas na lavoura, o grupo reunido pós-meditação e as conversas informais eram momentos para Pi Nam nos ensinar algo.

Lugarzinho bom pra meditar

Nesse “clima” começamos o que seriam 3 semanas de intenso aprendizado sobre budismo, agricultura orgânica, cultura tailandesa, veganismo, meditação e yoga.



Mindful farm – um oásis de saúde e paz


Pi Nan é um tailandês de 50 anos de idade e, com sua esposa japonesa, Noriko, e a filhinha do casal, Nobara, coordena as atividades na Mindful farm, localizada na vila Ban Pang Turm (www.mindfulfarmers.org). Na fazenda orgânica de 1 hectare cultivam-se diversos tipos de verduras, frutas, legumes e grãos (principalmente arroz). Toda colheita é utilizada para alimentação dos voluntários, da família do Pi Nan e dos 3 trabalhadores da fazenda e também abastece o restaurante vegano localizado na vila mais próxima.


Cerca de 3 a 4 voluntários chegam à Mindful farm diariamente para passar uns dias ou até meses. Na nossa estadia por lá convivemos com aproximadamente 12 voluntários por dia. Para cada um deles Pi Nan explica que na Mindful farm são seguidos os 5 preceitos ensinados por Buda: 1) não matar, 2) não rou­bar, 3) não men­tir, 4) não ter má con­du­ta ­sexual, e 5) não se entorpecer com álcool ou drogas. No nível prático, os itens “1” e “5” significam alimentação vegetariana e a proibição do uso de drogas ilícitas (óbvio), mas também bebidas alcoólicas e cigarro. Outros princípios seguidos na fazenda são o da autossuficiência econômica e alimentar, incentivada em todo país pelo Rei da Tailândia (falecido em nov/2016) e a prática diária de Yoga e meditação.


Na Tailândia, os monges budistas podem se “aposentar”, nos explicou Pi Nan. E esse foi o caso dele e de dois outros atuais agricultores responsáveis pelas únicas 3 fazendas orgânicas na vila de Ban Pang Turm. As demais 127 famílias que compõe a comunidade trabalham com o uso de (muito) pesticidas.


O nome da fazenda, “Mindful”, pode ser traduzido para o português algo como “ter consciência” ou “a capacidade de se lembrar”. Trata-se de estarmos conscientes do que se passa no nosso corpo, na nossa mente, nos nossos pensamentos e emoções. Ou seja, nos lembrarmos de prestar atenção, de ter consciência sobre nós mesmos. Quando praticamos “Mindfulness” passamos a prestar atenção no momento presente (aqui, agora) e sem julgamentos. Na Mindfl farm todos são convidados a essa prática.


Por tudo isso, considero que a Mindful farm é um verdadeiro oásis de saúde e paz na região.


Consciência na rotina


A Mindful farm funciona nesses moldes há cerca de 5 anos e já recebeu mais de 2 mil voluntários do mundo inteiro. As acomodações são simples, os colchões são tipo “tatames” fininhos, não há geladeira, fogão, nem água quente. Os banheiros de estilo “oriental” são compartilhados com todos.

Nossa rotina era assim:


6h00 - Despertar

6h30 - Yoga

7h30 - Preparar café da manha e “mindful breakfast”

9h00 - Atividades na lavoura

12h00 - Almoço + siesta

14h30 - Atividades na lavoura

16h00 - Lazer, lavar roupa, descansar etc

17h00 - Ajudar a preparar o jantar e jantar!

19h30 - Meditação em grupo

Levantávamos e ainda estava amanhecendo. A névoa que pairava sobre o verde da fazenda mesclada a alguns raios de sol deixava a paisagem serena e acolhedora. Seguíamos para a Yoga. Na ausência de um instrutor de yoga profissional, me voluntariei e liderei as práticas durante as três semanas. Ainda bem que eu já tinha tido a oportunidade de fazer isso em casa. Agradeço ao grupo tão querido de São Carlos: foi um ótimo exercício! Por aqui, o desafio foi narrar em inglês as instruções de respiração e as posturas. Percebi que tenho que aprimorar meu vocabulário relativo ao corpo humano e movimentos corporais! Encontrei lacunas em vários itens! hehe E a turma dava risada das minhas gafes! Hehe

Neblina de toda manha após a yoga

Após o “shavassana”, ajudávamos o Pi Nan a preparar o café da manhã, o que incluía colher mamões deliciosos no pé, verduras frescas e fazer as sopas e chá na “fogueira”. Alguns dos voluntários ainda preparavam panquecas e bolos veganos. Afeee! Comíamos em silêncio, testemunhando o nascer do sol. Nosso café da manhã era simplesmente maravilhoso!

Depois da arrumação na cozinha, púnhamos as luvas e chapéu e seguíamos para a lavoura. O grupo mais animado trabalhava junto com a senhora de 60 anos, chamada Me Si, tia do Pi Nan, sob sol e calor intensos! Ela não parava um minuto – devagar e sempre. Capinava, plantava, carregava sacos, cortava bananeiras, dava instruções aos voluntários sem falar inglês e ainda era uma simpatia. Quando já estávamos cansados, procurávamos uma sombrinha e dali víamos a Me Si na lida, sem parar. Depois que nos tornamos voluntários “seniors”, também dávamos instruções aos novatos. Quando tinha algum desavisado buscando trabalho, dizíamos “É fácil. É só seguir aquela senhorinha! Faça tudo o que ela fizer, que está ótimo!” Normalmente depois de 30 minutos o sujeito já voltava com a “língua de fora” procurando outro tipo de serviço. Hehe


As atividades na lavoura sombreada eram as minhas preferidas. Além do clima mais ameno, eu adorava cuidar das samambaias, pimentas, carás, salsão, aloe vera, boldo, gengibre, cúrcuma e outras plantas nativas da Tailândia. Por ali sempre tínhamos a visita das amigas serpentes. Numa manhã nos encontramos com três delas, aparentemente da mesma espécie. Calmas e lindas e, segundo Pi Nan, não peçonhentas, vinham em busca de sombrinha e alimento. Ali também aprendemos sobre as plantas comestíveis não convencionais (PANCS) e as utilizávamos diariamente na preparação das refeições.


Nossa estadia na Mindful farm foi durante o chamado inverno aqui na Tailândia, estação de pouca chuva e quando a temperatura na região das montanhas varia entre 15 e 30oC. Era também a época para colheita do arroz e, assim, algumas vezes os voluntários eram convocados para ajudar os membros da comunidade nesse serviço pesado. Foi interessante conhecer os diversos tipos de arroz da região e o processo de plantar as sementes em campos comunitários, cuidar e irrigar, colher, esperar pela secagem da palha do arroz no campo e, finalmente, “bater” a palha, colher os grãos e armazená-los em sacos de ráfia. Os voluntários também ajudavam nas fazendas vizinhas, na colheita de maracujá e amendoim orgânicos. E depois tínhamos a alegria de “rever” essas delícias no nosso prato!


No período da tarde, íamos nos refrescar na represa que ficava a poucos minutos de caminhada, trabalhávamos na lavoura e também preparávamos o jantar. O dia se encerrava com a meditação em grupo, autoguiada, seguida de conversas inspiradoras com Pi Nan e demais voluntários.


Com um dia como esse, nem precisa dizer que dormíamos como “pedras” e acordávamos renovados para mais um dia na Mindful farm.


Difundindo práticas de agricultura orgânica


Pi Nan tem muita experiência em agricultura orgânica. Além das práticas de campo, ele também frequenta cursos e seminários voltados a agricultores tailandeses. Participamos com ele de um workshop numa fazenda que ficava a 60 km da Mindful farm. Durante os 2 dias nós aprendemos muito sobre compostagem, microorganismos do solo e a grande influência deles na qualidade do solo e disponibilidade de nutrientes para as plantas. Nos familiarizamos com as técnicas para cultivar e utilizar os chamados “microorganismos nativos” (em inglês, indigenous microorganisms) na plantação, por meio de técnicas simples e eficientes. O coordenador do workshop é um professor tailandês aposentado, com prêmios internacionais na área de solo, que vem ensinando gratuitamente essas técnicas. De volta à Mindful farm, colocamos a teoria em prática e agora já somos habilitados a fazer o mesmo nas terras brasileiras!


Nosso anfitrião tem um papel muito importante em sua comunidade e ele sabe disso. Nasceu e foi criado naquela vila e é um dos únicos que fala inglês, podendo ter acesso a outros tipos de conhecimentos e trocar experiências com gente do mundo inteiro. Sendo testemunha dos prejuízos do uso de agrotóxicos nas lavouras à sua comunidade e ao ambiente, Pi Nan nos conta que seu objetivo é difundir a autossuficiência alimentar e agricultura orgânica na comunidade, sendo ele mesmo o exemplo. O restaurante vegano na vila Ban Pang Turm é outra maneira de promover e difundir a alimentação orgânica e o veganismo. As refeições são muito baratas (menos de 1 dólar!) e saborosíssimas. Também é uma ótima oportunidade para os voluntários interessados em culinária: aprendi a cozinhar diversos pratos tailandeses, com jaca, tamarindo, flor (ou coração) de bananeira, em suas versões veganas.


Recentemente, Pi Nan foi nomeado oficialmente pelo governo como “embaixador” de técnicas de agricultura orgânica, tendo a missão de ensinar a sua comunidade. Ele nos disse que gostaria de produzir um documentário sobre esse tema, voltado para os agricultores da vila, mas não tem recursos para isso. Se você está lendo esse relato, tem habilidades na área de cinema e tem condições de financiar uma viagem ou de buscar financiamento, aqui está uma excelente forma de contribuir! Contatos com a Mindful farm: http://www.mindfulfarmers.org


De volta à dura realidade das nossas cidades


Nosso último dia na Mindfulfarm foi de tripla comemoração: três semanas de muito aprendizado nas terras orgânicas, 10 meses de viagem por esse mundão lindo e ainda aniversário do queridíssimo Clever!!!

Pi Nan nos ensinou que na tradição tailandesa o aniversariante compartilha sua sabedoria com os amigos e família, numa fala sobre seus aprendizados na vida. Assim, a celebração teve bolo assado na fogueira, velinhas e o discurso de sabedoria do Clever! Pi Nan também nos lembrou que o aniversariante também deve agradecer à sua mãe, profundamente, pela oportunidade que ela lhe deu de ter renascido. Sem esse ato de amor, não estaríamos por aqui... Ele ainda dá dicas práticas aos jovens: “Se você está longe de sua mãe, escreva um poema, uma carta de amor e agradecimento à ela e mande por e-mail.”. Bonitinho.


Após a estadia com a família do Pi Nan, temos certeza que recebemos muito mais do pudemos dar. Agradecemos muito! Saímos da fazenda já com saudades da turminha, das comidinhas, da yoga, meditação... Mas, como nos orientava Pi Nan – “No attachment!”, ou seja, desprenda-se, inclusive daquilo que nos parece tão querido e confortável. Isso também é passageiro.


Com esse espírito chegamos à cidade de Chiang Mai e aos poucos fomos adaptando-nos ao clima, agito e alimentação não-orgânica. Sentimos uma enorme diferença. Nos primeiros dias sentimos muita náusea e ainda não sabemos bem o porquê... De lá seguimos em uma viagem de trem por 11 horas (!!!!) até a capital da Tailândia, Banguecoque. Cidade grande, ruidosa e poluída. Isso sim exigiu um enorme esforço para adaptação à poluição sonora e atmosférica, alimentação nada orgânica e à convivência com milhares de turistas apressados. Passamos muito mal... Faz parte! Isso também passa e nos fez valorizar ainda mais a vida pacífica, saudável e feliz da Mindful farm!


Para os que se animaram com o relato, Pi Nan está procurando uma pessoa entusiasmada para cuidar da fazenda enquanto ele e sua família ajudam a implantar Mindful farms no resto da Tailândia, Vietnã e Camboja. Você se candidataria?


As fotinhos lindas do Clever no Flickr ainda não estão prontas, mas assim que elas forem "ao ar" avisamos a todos!!

Recebam nosso abracao!

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